Alves Moreira Advogados

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13/07/2021

Juíza reverte demissão discriminatória de trabalhador que estava em processo de transição de gênero

Demitido dois dias antes de realizar cirurgia de mastectomia masculinizadora, um trabalhador que passava por processo de transição de gênero deve ser reintegrado a seu cargo, além de receber R$ 30 mil a título de indenização por danos morais. A decisão é da juíza Jaeline Boso Portela de Santana Strobel, em exercício na 11ª Vara do Trabalho de Brasília, que julgou procedente a ação ajuizada pelo trabalhador por reconhecer discriminatória a demissão.

Contratado em julho de 2014, o trabalhador narra na inicial que em janeiro de 2017 – quando era membro da CIPA e contava com estabilidade no emprego – iniciou processo de transição de gênero, tendo passado a receber acompanhamento médico e psicológico. Segundo ele, no decorrer do processo, com suas alterações fisionômicas se tornando cada vez mais visíveis, passou a receber tratamento desrespeitoso de seus superiores, em um cenário de discriminação e preconceito. Diz que, após ter deixado a CIPA e comunicado ao superior que realizaria cirurgia de mastectomia masculinizadora em fevereiro de 2018, foi demitido sem justa causa dois dias antes da data agendada para a realização do procedimento cirúrgico.

Em defesa, a empresa nega que tenha havido discriminação e que o trabalhador foi dispensado, sem justa causa, por decorrência da sua opção pela transição de gênero. Nega, também, a prática de quaisquer atos que pudessem caracterizar constrangimentos rotineiros em seu desfavor.

Procedência do pedido

Na sentença, a juíza declarou nula a dispensa por reconhecê-la discriminatória e julgou procedente o pedido de reintegração, nas mesmas condições anteriores à demissão, com a indenização dos salários relativos ao período entre a dispensa, em fevereiro de 2018, até a efetiva data de reintegração ao emprego.

De acordo com a magistrada, depoimentos das testemunhas chamadas pela empresa não foram coesos ao tentar explicar os motivos da demissão. Mas chamou a atenção um email da empresa, de outubro de 2017, que mostra a intenção em dispensar o trabalhador até o final daquele ano. Para a juíza, a contradição das testemunhas, principalmente quanto à decisão de dispensa do trabalhador em momento anterior a fevereiro de 2018, somada à “pressa” demonstrada na mensagem eletrônica transcrita quanto a necessidade da demissão do reclamante até o final de 2017, “tem o condão de confirmar a tese da exordial quanto à dispensa discriminatória do reclamante, já que, após o exaurimento do mandato na CIPA e a notícia que o empregado precisaria se submeter à cirurgia, a reclamada decidiu demiti-lo”.

Mesmo tendo pleno conhecimento do processo de transição de gênero, iniciado durante o período de mandato como membro da CIPA, e da necessidade da realização do procedimento cirúrgico que afastaria o trabalhador por muitos dias do trabalho, a empresa prosseguiu com a demissão, efetivando o afastamento dois dias antes da intervenção. “Conduta como a praticada pela reclamada não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito”, frisou a juíza.

Além disso, ressaltou a magistrada, mesmo ciente de que o trabalhador precisava realizar a cirurgia, com base em laudos médicos apresentados – pelo risco do crescimento de nódulos – e que vivia um momento delicado em sua vida pessoal, a empresa dispensou o empregado, deixando de traçar um diagnóstico de sua saúde física e emocional, desrespeitando com isso as normas de segurança e medicina do trabalho.

Direito de personalidade

Quando a Constituição Federal de 1988 coloca como direito humano fundamental o direito à vida, esse direito, segundo a magistrada, vai muito além de respirar. Os direitos de personalidade, o que inclui a forma de escolher as diretrizes de vida – como a autodeterminação da pessoa -, são irrenunciáveis, intransmissíveis e dizem respeito tão apenas ao seu detentor, integrando a esfera de sua intimidade e privacidade. “É em preservação deste bem tão precioso que acolho a tese prefacial, dado que se mostra a melhor forma de garantir a observância à dignidade da pessoa humana, aos direitos da personalidade, ao direito da saúde, ao valor social do trabalho e à cidadania”.

Dano moral

Para a magistrada, o trabalhador teve atingida sua esfera moral ao ser exposto à situação angustiante de ficar sem emprego e sustento, sendo lançado ao mercado de trabalho durante momento pessoal delicado de pleno conhecimento da empregadora, a apenas dias da realização de procedimento cirúrgico. É evidente que tais situações trouxeram dor e sofrimento ao trabalhador. Além do mais, ainda que assim não fosse, nos casos de dispensa discriminatória, o sofrimento é presumido, concluiu a magistrada arbitrando indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil.

Fonte, Justiça do Trabalho, acesso em 13/07/2021

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