No Brasil, Quem Compra um Produto ou Serviço Pela Internet Pode Desistir do Negócio em Sete Dias. O Mesmo Vale para Passagens Aéreas?
No cenário atual, marcado pelo avanço tecnológico e pela crescente digitalização das transações comerciais, o direito do consumidor ganha ainda mais relevância. No Brasil, uma das principais garantias conferidas aos consumidores é o direito de arrependimento, previsto no artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Esse dispositivo legal estabelece que, nas compras realizadas fora do estabelecimento comercial, como é o caso das compras pela internet, o consumidor tem o direito de desistir do negócio no prazo de sete dias, sem a necessidade de apresentar qualquer justificativa.
No entanto, surge um questionamento específico: esse direito se estende também às passagens aéreas adquiridas online?
Neste artigo, exploraremos essa questão à luz da legislação vigente, das decisões dos tribunais e das análises de especialistas.
Direito de Arrependimento e o CDC
O direito de arrependimento, consagrado no artigo 49, do CDC, tem como finalidade proteger o consumidor em situações em que ele não pode examinar pessoalmente o produto ou serviço antes da compra. Esse dispositivo legal reflete a compreensão da vulnerabilidade do consumidor em transações realizadas fora do ambiente físico do fornecedor.
Seu escopo principal é garantir que o consumidor tenha a oportunidade de refletir sobre a aquisição, evitando compras por impulso e permitindo a tomada de decisão mais consciente.
Decisões dos Tribunais: Contratos de Transporte Aéreo
As decisões dos tribunais brasileiros têm desempenhado um papel fundamental na interpretação e aplicação do direito do consumidor, em relação às compras realizadas pela internet, incluindo a aquisição de passagens aéreas.
Um exemplo notável é o Acórdão 1175293, julgado pela Primeira Turma Recursal, que reforça a aplicabilidade do direito de arrependimento aos contratos de transporte aéreo, celebrados online.
O tribunal destacou que a faculdade de desistir das compras fora do estabelecimento do fornecedor, conforme o artigo 49, do CDC, também se aplica aos contratos de transporte aéreo, concluídos por meio da internet. Além disso, enfatizou que o exercício desse direito não sujeita o consumidor à aplicação de multa, garantindo o reembolso integral das passagens adquiridas.
Remarcação de Bilhete Aéreo e a Inaplicabilidade de Multa
Outro ponto relevante abordado pelas decisões judiciais é a possibilidade de remarcação de bilhete aéreo, sem a imposição de multa. O Acórdão 852840, da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, ressalta que o direito de arrependimento também pode ser invocado nesse contexto.
De acordo com o tribunal, se o consumidor tem o direito de manifestar arrependimento nos sete dias após a contratação fora do estabelecimento do fornecedor, esse mesmo direito se aplica à remarcação de bilhetes aéreos, para a mesma classe tarifária e com antecedência significativa da viagem.
A cláusula contratual que impõe multa nesses casos é considerada frontalmente contrária ao Código Civil e, portanto, inaplicável.
Análise da Doutrina: Proteção e Intenção Legislativa
A doutrina também contribui para a compreensão do direito de arrependimento e sua aplicação às compras realizadas pela internet, incluindo as passagens aéreas. Segundo Antônio Carlos Fontes Cintra, a norma inicialmente tinha como foco a proteção das vendas por catálogos e as vendas “porta em porta”, garantindo ao consumidor a oportunidade de avaliar o produto de maneira mais detalhada. A intenção do legislador era proteger o consumidor de compras impulsivas e permitir que ele fizesse uma escolha consciente.
Outros especialistas, como Cláudia Lima Marques, ressaltam a importância do diálogo das fontes e a aplicação da norma mais favorável ao consumidor.
Nesse contexto, o Código de Defesa do Consumidor, prevalece sobre normas infraconstitucionais, como é o caso da Resolução nº 400/2016, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que estabelece o prazo de 24 horas para desistência de passagens aéreas adquiridas com antecedência superior a sete dias.
Resolução da Anac vs. Direito do Consumidor
A Resolução nº 400/2016, da Anac, ao estabelecer um prazo de 24 horas para desistência de passagens aéreas, entra em conflito com o direito de arrependimento garantido pelo CDC.
A aplicação dessa resolução tem sido debatida, visto que o CDC é considerado uma norma de ordem pública e de interesse social, superior às normas infraconstitucionais. A jurisprudência e a doutrina têm se inclinado a favor da aplicação do artigo 49, do CDC, em consonância com os princípios de proteção do consumidor e a supremacia da lei consumerista.
Em um contexto em que as compras online se tornaram cada vez mais comuns e relevantes, o direito de arrependimento desempenha um papel fundamental na proteção dos consumidores brasileiros.
Embora existam interpretações divergentes sobre a aplicação do CDC às passagens aéreas, a tendência jurisprudencial e a análise da doutrina apontam para a sua extensão nesse contexto.
O direito de arrependimento se alinha à intenção legislativa de proteger o consumidor em transações realizadas fora do estabelecimento comercial, garantindo-lhe a oportunidade de tomar decisões conscientes e evitando compras impulsivas. Diante disso, é possível afirmar que, sim, quem compra passagens aéreas pela internet também pode desistir do negócio em sete dias, assim como ocorre com outros produtos e serviços adquiridos online.
Portanto, é essencial que os consumidores estejam cientes de seus direitos e se sintam encorajados a exercê-los quando desrespeitados.
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